O sequestro da amígdala e a reação de luta e fuga

Tempo de leitura: 10 minutos

O cérebro humano com frequência é palco de um tipo de sequestro, que é a palavra utilizada para designar aquele momento em que a razão é superada por uma forte emoção em uma situação de grande dificuldade. O sequestro da amígdala e a consequente reação de luta e fuga ocorre quando a razão recupera o controle, instantes depois, o estrago pode já ter sido feito.

Se ficar zangado, conte até dez antes de dizer qualquer coisa, Se não tiver se acalmado, conte até cem; e se não se tiver acalmado depois disso, conte até mil. (Thomas Jefferson)

Este artigo contém:

O cérebro humano
Uma analogia que pode ser a sua
Por que o sequestro da amígdala?
Consequências da reação de Luta e Fuga
Reações do corpo ao estresse
Assertividade como forma de gerenciar conflitos
Resposta do cérebro na relação sexual
Uma mensagem para levar para casa


O cérebro humano

A parte do cérebro humano responsável pela lógica, e que normalmente controla as decisões e atitudes das pessoas chama-se neocórtex. Muito antes do neocórtex surgir e definir o homem como “ser pensante”, outras partes neurais já existiam, cumprindo funções de sobrevivência. Sobre o tronco cerebral, responsável pelos instintos mais básicos formou-se o Sistema Límbico, o que dotou nosso ancestral de uma novidade: emoções. E foi dele que evoluiu o cérebro pensante – o neocórtex. Essa história tem pelo menos trezentos e cinquenta milhões de anos, contando a partir da era dos répteis.

Uma analogia que pode ser a sua

O chefe grita com um subordinado ao perceber um erro que este cometeu. O funcionário pede demissão no meio de uma tarefa por se sentir ofendido pelas palavras mais duras do chefe. A mulher explode com o marido que chegou tarde antes de perguntar o motivo do atraso. O marido agride a mulher por não tolerar seu modo de falar, sem se dar conta que ela está no período pré-menstrual com emocional alterado.

Quem nunca foi sujeito ou objeto de uma situação assim? Pense sobre você mesmo e lembre quantas coisas você disse e se arrependeu depois. Quantas vezes foi atingido por palavras duras de alguém anteriormente tão doce e gentil.

Todas essas pessoas são protagonistas de histórias que poderiam ter tido um final mais feliz se elas apenas tivessem dado um tempo maior entre o impacto do descontentamento causado pelas palavras ou pelo comportamento de seu interlocutor, e a sua própria resposta ou reação. Ou seja, se tivessem contado pelo menos até dez.

Porque o sequestro da amígdala?

No Sistema Límbico existe um componente chamado amigdala. Lembrando que ela não tem nenhuma relação com aquelas pequenas massas de tecido linfoide que existem em nossa garganta. Apenas o nome é o mesmo, pois ambas lembram “amêndoas” em sua forma.

A função da amigdala cerebral é funcionar como uma espécie de alarme que desencadeia reações de proteção em caso de alguma emergência. Por analogia, podemos compará-la a um sensor de fumaça dentro de um prédio. A presença de fumaça no ambiente aciona automaticamente os sprinklers, aquelas pequenas duchas espalhadas por todo o teto. Afinal, onde há fumaça há fogo.

Quando a amigdala toma conta da situação e provoca reações às vezes desproporcionais ao fato, dizemos que aconteceu o “sequestro” da razão. O neocórtex foi controlado pela amigdala por alguns instantes. Muitas vezes isso é bom, pois aumenta a velocidade da resposta diante de um perigo. É o que faz uma pessoa saltar ao perceber um carro aproximando-se em alta velocidade. A percepção do acidente não é racional, é instintiva. Depois é que nos damos conta do perigo que corremos, e então as pernas começam a tremer.

O problema é que a amigdala interfere também quando o perigo e puramente imaginário. Durante uma divergência de opinião, por exemplo, você pode perceber, repentinamente, uma espécie de perigo causado pelo rumo da discussão. Isso acontece de modo inconsciente e você não nota que está sendo tomado pelo sentimento de preservação de sua vida, ainda que seja a vida emocional. Sente apenas uma sensação de desconforto e medo, seguido da necessidade de agredir. De repente pode acontecer o sequestro da razão e você terá, com certeza, uma reação violenta, por palavras ou atos, desproporcionais ao fato que a causou. Faltou contar até dez…

Consequências da reação de Luta e Fuga

A resposta adaptativa à necessidade de sobrevivência da nossa espécie nos levou, ao longo da história evolutiva, a desenvolver mecanismos de enfrentamento diante de condições adversas. Localizada no sistema límbico, as amígdalas estão envolvidas na memória e nas respostas emocionais e reações ligadas ao instinto de sobrevivência. Ao perceber algum perigo, a amígdala desencadeia uma reação, que sempre será de LUTA ou FUGA, pois é a maneira instintiva de manter a vida. A amigdala recebe a informação do perigo antes que o neocórtex, por isso a reação emocional começa antes mesmo que a pessoa tome consciência do perigo. Para definir esse tipo de reação, Goleman utilizou o termo “sequestro da amígdala” ou “sequestro emocional” (Goleman, 2011, pag. 43).

Essa resposta de luta ou fuga ou resposta aguda ao estresse, refere-se a uma reação fisiológica que ocorre na presença de um perigo real. Assim, ela é desencadeada pela liberação de hormônios que preparam nosso corpo para ficar e lidar com uma ameaça ou fugir para garantir a segurança. O problema é que isso funcionava bem quando os riscos eram reais. Mas hoje, a amígdala está tomando decisões parecidas dentro de uma realidade social complexa.

Reações do corpo ao estresse

O corpo também pode reagir exageradamente a estressores que não ameaçam a vida, pressões no trabalho, conflitos familiares, dificuldades financeiras e mesmo um engarrafamento, ou apenas pensar em uma fobia, como aranhas, baratas ou alturas. Essas situações não são realmente perigosas, mas a resposta de luta e fuga é ativada, colocando o indivíduo em um estado de estresse crônico que o leva a reagir com raiva e/ou medo.

O problema é que essa mesma resposta ocorre também em conflitos conjugais. Quando nosso relacionamento está em crise, precisamos usar toda nossa capacidade cognitiva e emocional para lidar com a situação porque, e acima de tudo, estamos lidando com uma pessoa com quem supostamente compartilhamos nossos ideais e propósitos e a quem dedicamos amor, carinho e admiração. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece na maioria dos conflitos conjugais.

Assertividade como forma de gerenciar conflitos

A prática da assertividade nos gestos, atitudes e palavras são fundamentais para se estabelecer um relacionamento saudável e harmonioso. A grande certeza é que não se consegue resolver um conflito quando a resposta ao estresse assume o controle. Argumentos assertivos incluem uma decisão mútua sobre como gerenciar os conflitos, mas enquanto isso não acontece, o relacionamento vai se deteriorando.

Temos então que nessa linha de descompasso, a vida sexual do casal entra em declínio por razões óbvias. Isso porque a reação de lutar ou fugir envolve a imediata paralisação das atividades não prioritárias à sobrevivência. Desse modo, nessa situação o sexo fica em segundo plano. Entretanto, além do prazer e conexão que proporciona, o sexo é essencial à preservação da espécie. Isso porque é através do sexo que realizamos a segunda demanda principal da vida: reprodução com fins de perpetuação da espécie. Não é objeto desse artigo os avanços tecnológicos que propiciam as reproduções assistidas, inseminação artificial ou outros processos como o congelamento de embriões. O objetivo central é mostrar as reações fisiológicas relacionadas à resposta adaptativa do nosso corpo às necessidades de sobrevivência e reprodução.

Resposta aguda ao estresse

Na resposta aguda ao estresse, o sangue do corpo é redirecionado e desviado de lugares que agora não são tão importantes. Quando a reação é de luta, por exemplo, o sangue é direcionado para a parte superior do corpo. Na reação de fuga o oposto ocorre, sendo o sangue direcionado para a parte inferior do corpo. Em condições propícias ao ato sexual, a irrigação sanguínea está mais concentrada na região pélvica.

A nível de sistema nervoso central, o estresse e a ansiedade implicam em predomínio da atividade simpática e ereções, por exemplo, necessitam do sistema nervoso parassimpático ativado. O resultado desse descompasso é um possível transtorno erétil, nos homens e falta de lubrificação vaginal nas mulheres. Se um homem estressado e ansioso consegue a ereção, cognições negativas podem bloqueá-la ou um acionamento simpático pode levar a ejacular antes do tempo, teríamos então uma ejaculação prematura (precoce).

Respostas do cérebro na relação sexual

Em condições de estresse e ansiedade, o cérebro comanda a liberação dos hormônios cortisol e adrenalina na corrente sanguínea. por outro lado, para o ato sexual, nosso cérebro comanda a liberação de óxido nítrico na corrente sanguínea. Ao compreender essas respostas naturais, tanto de luta ou fuga, quanto as relacionadas ao ato sexual, o cliente passa a reconhecer o estresse e a ansiedade como um dos elementos desencadeadores e/ou agravadores das disfunções sexuais, o que lhe permite adquirir recursos para potencializar sua recuperação.

Exemplo ocorreu em nosso consultório com uma cliente, apresentando quadro de transtorno do orgasmo feminino (ausência de orgasmo), ao longo da vida, ou seja, nunca havia chegado ao orgasmo. No entanto, ao tomar conhecimento dos mecanismos resultantes da resposta aguda ao estresse, relatou com ar de surpresa, que havia estado em luta ou fuga a vida toda. Desse modo, no dia seguinte à essa sessão, mandou uma mensagem dizendo “agora sei o que é orgasmo”.

Uma mensagem para levar para casa

Ao longo dos anos, pesquisadores aprenderam não apenas como e por que essas reações de luta e fuga ocorrem, mas também obtiveram uma percepção dos efeitos a longo prazo que o estresse crônico tem sobre a saúde física e emocional. Com o tempo, a ativação repetida da resposta ao estresse podem danificar vasos sanguíneos e artérias, aumentando a pressão sanguínea e aumentando o risco de ataques cardíacos ou derrames. São responsáveis também por alterações cerebrais que podem contribuir para a ansiedade, depressão e dependência químicas.

A ativação crônica desse mecanismo de sobrevivência também contribui para a obesidade, tanto por mecanismos diretos (fazendo com que as pessoas comam mais) quanto indiretamente (diminuindo o sono e a disposição para o exercício). Felizmente, as pessoas podem aprender técnicas para combater a resposta ao estresse.

Atividades físicas, reeducação alimentar, técnicas de mindfulness e o desenvolvimento das forças de caráter Gratidão, Autorregulação e Apreciação da beleza, são traços positivos que podem ser desenvolvidos por meio da prática e contribuem para o crescimento pessoal e o bem-estar.

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